Especialistas
analisaram os dados do relatório sobre saúde e álcool da Organização
Mundial de Saúde (OMS) para um público formado por profissionais de
saúde, pesquisadores, gestores públicos e representantes da indústria de
bebidas.
De
acordo com o Dr. Arthur Guerra, coordenador do programa do Grupo
Interdisciplinar de Álcool e Drogas (GREA), vinculado ao IPq-HCFMUSP, o
seminário constitui um marco na mobilização do combate ao consumo nocivo
do álcool. “É a primeira vez que reunimos os diversos setores ligados
ao tema para avaliar em profundidade os dados da OMS divulgados em 2014,
tendo em vista a meta para o Brasil de redução de 10% do consumo nocivo
do álcool até 2025. Era essencial termos uma dimensão crítica do nosso
desafio, compartilhada entre todos”.
O
seminário, que teve como mestre de cerimônia o Dr. Jairo Bouer, contou
com as análises de cinco especialistas: Dra. Camila Magalhães Silveira
(FMUSP), Dr. Carlos Sojo (FLACSO); Dr. Gregor Burkhart, do Observatório
Europeu da Droga e da Toxicodependência (EMCDDA); o economista Sérgio
Almeida (FEA/ USP); e o jornalista Luiz Caversan.
Durante
o evento foram abordados o histórico comparativo dos dados do Brasil e
da América Latina em relatórios da OMS 2011 e 2014; a metodologia de
coleta de dados utilizada, principais conceitos e indicadores para medir
o consumo nocivo de álcool pela OMS e políticas públicas voltadas para a
redução desse tipo de consumo.
Além
disso, foram abordados o mecanismo de impacto do álcool na saúde
pública e suas variáveis ligadas ao indivíduo, como gênero e idade; ao
país, como cultura, status econômico e disponibilidade do álcool; e ao
nível e padrão de consumo e qualidade da bebida, neste caso o álcool
ilegal.
Destaque das apresentações: Abertura e apresentação dos dados da OMS
O Dr. Arthur Guerra abriu o seminário apresentando os dados do relatório da OMS sobre saúde e álcool (gráficos abaixo). Destacou o fato de o país ter melhorado seus indicadores referentes ao consumo de álcool.
Níveis e Padrões de Consumo
Consumo de álcool per capita (15+), litros de álcool puro
2003-2005 | 2008-2010 | Mudanças | |
Registrado | 6,8 | 7,2 | è |
Ilegal | 3 | 1,5 | î |
Total | 9,8 | 8,7 | î* |
Américas | 9,2 | 8,4 |
|
* Redução do consumo per capita entre 2005 e 2010
Mortalidade e Morbidade
Prevalência de problemas relacionados ao uso de álcool e dependência alcoólica (%)
| Problemas por uso de álcool** | Dependência de álcool |
Homens (15+) | 8,2 | 3,9 |
Mulheres (15+) | 3,2 | 1,8 |
Ambos | 5,6 | 2,8 |
Regiões das Américas – WHO | 6,0 | 3,4 |
**Inclui dependência e uso nocivo do álcool
Visão Crítica da área da Saúde
Dra.
Camila Magalhães Silveira (FMUSP) disse que são vários os aspectos que
influenciam no consumo de álcool e que o consumo per capita é uma medida
ruim, uma vez que não avalia quem bebe e como bebe. Abordou as
principais diferenças de gênero no que tange ao consumo, apresentando
dados sobre consumo nocivo de álcool entre homens e mulheres.
Segundo
a Dra. Camilla, é preciso priorizar o combate ao consumo nocivo do
álcool entre mulheres, jovens, pessoas com baixa escolaridade e
população com maior privação social. Entre os jovens, além de investir
na diminuição do beber pesado episódico, é preciso atuar para postergar a
idade de início de consumo do álcool.
Dose padrão
12 g álcool puro: 350 ml cerveja ou 140 ml vinho ou 40 ml destilado
Beber moderado
Homem: até 2 doses/ dia
Mulher: até 1 dose/ dia
Beber de risco
Homem: mais de 14 doses/ semana ou 4 doses/ dia
Mulher: mais de 7 doses/ semana ou 3 doses/ dia
Beber pesado episódico
Homem: 5+doses/ocasião (em intervalo de 2 horas nos últimos 30 dias)
Mulher: 4+doses / ocasião (em intervalo de 2 horas nos últimos 30 dias)
Visão crítica da área da economia
O economista e prof. da
FEA-USP, Sérgio Almeida, tratou do consumo do ponto de vista da
economia; De acordo com ele, medidas que elevam o custo da bebida mexem
com o mercado, mas é preciso avaliar qual faixa de consumidores é
impactada. Dessa forma, é essencial conhecer o seu efeito sobre as
pessoas que fazem consumo nocivo do álcool. “Medidas para taxação podem
ter efeito inócuo. Para que elas sejam eficientes, é preciso saber como
as faixas de consumo funcionam”.
Além disso, o aumento dos
preços pode ter efeito adverso, criando estímulo para o mercado
informal, conhecido como Álcool Ilegal. Sobre isso, Almeida relembrou a
Lei Seca nos EUA na década de 30, que teve como efeito colateral um
aumento no número de mortes em decorrência do consumo de álcool de baixa
qualidade.
Visão crítica da área da comunicação
Luiz Caversan analisou a
cobertura, majoritariamente negativa, que a mídia dispensou ao
lançamento do relatório da OMS. O dado que obteve maior destaque nas
grandes revistas e jornais foi o consumo per capita de álcool no Brasil.
O jornalista também comentou as mudanças dos últimos 20 anos no modo
como é feito o jornalismo diário, em parte influenciada pela internet e
mudança de perfil dos leitores. Caversan finalizou com uma provocação:
“A academia precisa reagir, reconquistar o espaço de consultoria que já
teve no jornalismo nacional. Isso instigará o debate e reflexão”.
Visão crítica do uso de álcool nos países da América Latina
O sociólogo costa-riquenho
Carlos Soyo analisou a metodologia utilizada pela OMS para a construção
de diversos trechos do estudo. As mudanças de alguns indicadores de
edições anteriores do relatório para a atual e as discrepâncias
regionais de medição de consumo dificultam a construção de modelos
históricos do estudo, que poderiam ser utilizados para embasar propostas
de políticas públicas mais eficazes. “Em diversos pontos é impossível
contrastarmos com segurança os dados”, afirma. Soyo sugeriu quatro
indicadores que resumem o consumo nocivo e que deveriam ser acompanhados
com frequência definida e metodologia única entre os países. São eles:
consumo excessivo de longo prazo, consumo excessivo de curto prazo
(Beber Pesado Episódico (HED), porcentagem da população que inicia o
consumo regular antes dos 18 anos e acidentes fatais de trânsito com
influência de álcool acima da concentração de álcool no sangue definida
por lei.
Visão crítica da área da prevenção
Gregor Burkhart avaliou a
forma como foram apresentadas no relatório as informações sobre as
políticas públicas e intervenções em cada país. Na sua avaliação, os
itens apresentados pela OMS como principais sinais de comprometimento
como sendo insuficientes, ou seja, ter política nacional do álcool e
apoiar ações comunitárias só funcionariam caso sejam feitas ações de
implementação e fiscalização. Da mesma forma, medir a presença de tais
sinais com “Sim/Não” representa uma perda do poder comparativo e uma
tendência para respostas positivas. Enfatizou a necessidade de medidas
que mudem o contexto (medidas ambientais) em que o indivíduo está
inserido para gerar mudanças no consumo nocivo de álcool.